Além do horizonte romance Capítulo 10

Ester abriu a porta e despertou a filha.

– Bom dia princesa, tem que levantar e se arrumar. Daqui a pouco seu noivo vem nos buscar para irmos à igreja, acho que vocês têm muito o que confessar antes do sim.

– Sim senhora.

Ester percebeu a falta de ânimo da filha e se sentou na cama da filha lhe tocando as duas mãos.

– Coloque um sorriso nesse rosto tão lindo, por favor não desista de ser feliz.

– Prometo que eu vou tentar mudar de expressão.

Guadalupe se desembrulhou levantou, tomou um banho enquanto a mãe escolhia um belo vestido e depois fez um penteado deixando sua nuca a mostra.

– A senhora acredita nessas coisas de destino? – Guadalupe pergunta para a mãe enquanto ela fechava os botões de seu vestido.

– Acredito que tudo o que acontece em nossas vidas é com a permissão de Deus.

– Vou orar muito hoje, se Atílio não for meu destino que ele se canse bem rápido e me deixe voltar aqui para casa e para cuidar de vocês.

– Por que não ora pedindo a Deus para que se amem e sejam felizes juntos? Uhm? Não gostaria de me dar netos?

Ela sorriu timidamente, mas desfez a alegria em poucos segundos.

– Tenho medo do futuro, nunca fui fraca e a senhora sabe bem disso.

– É natural ter esse receio, mas vai passar. – Ester deu uma conferida na filha e ela estava pronta para sair.

Minha mãe não me queria triste e nem sem esperanças, talvez ela estivesse certa e eu sendo muito exagerada em temer e rejeitar o meu destino sem tentar ao menos dar uma chance a ele.

Amélia se encontrou com Atílio descendo as escadas e dobrando os punhos da camisa.

– Tão elegante! – Amélia o elogia a sorrir.

– Vou buscar Guadalupe para irmos até a igreja.

– Pretende se confessar de verdade ou apenas vai para ficar bem com o padre?

– Não devo nada ao padre e pelo contrário, com todos os donativos que dou a ele todos os meses, ele é que andaria me devendo até as botas! Vou por que pretendia ficar a sós com ela, mas resolveu levar a mãe junto mandando meus planos por água abaixo.

– Lupe é inteligente, desta vez encontrou uma mulher bem diferente das tantas tolas que desonrou na cidade.

– Esqueça delas e Guadalupe no fim é só mais uma.

Atílio pegou as chaves do automóvel e saiu sorridente.

Ainda no rancho.

– Falta apenas um detalhe.

Ester passou gotas perfumadas na filha e as duas foram tomar café da manhã antes de irem.

– Está muito bonita filha. – Leonel sorri e dá uma volta ao redor de Guadalupe.

– Obrigada papai.

Eles comeram juntos e um tempo depois, ouviram bater na porta.

– Bom dia. – Atílio os cumprimenta levantando o chapéu da cabeça.

– Bom dia, já estamos prontas. Venha filha!

Ela estava linda, mais mulher com os cabelos presos. Porém, eu sentia sua tristeza aumentar a cada dia que nossa união se aproximava. Parecia que o brilho que iluminava seu olhar ia embora conforme eu entrava em sua vida.

Eu queria poder lhe cortejar e tentar toca-la, mas com a mãe dela junto era impossível. Chegamos na igreja, o padre já nos esperava ansioso por ouvir nossos pecados.

– Posso me confessar primeiro? – Guadalupe pediu.

– Mas é claro que sim! – Atílio concordou.

– Vamos então filha? – Guadalupe consentiu ao sacerdote.

O padre e ela entraram no confessionário enquanto Ester e eu ficamos esperando sentados na sacristia.

– Sei que não nos conhecemos quase nada Atílio, mas quero que saiba que iremos te entregar o que temos de mais precioso nesse mundo...por favor, por tudo o que mais ama não faça minha filha sofrer! – Ester decidiu ser franca com ele.

– Eu nunca havia pensado em me unir a ninguém antes senhora, mas vou me casar com sua filha.

– Por capricho ou por amor?

Atílio se levantou e deu alguns passos, não sabia o que responder e pela primeira vez na vida tinha dúvidas sobre os reais sentimentos.

– Você não sabe o que sente? – Ester perguntou bem seriamente.

– Sei que vamos nos unir e de verdade, acho que posso ser feliz com ela.

– E quanto a ela, você poderá fazer ela feliz?

– Vou tentar dona Ester, vou tentar.

Enquanto isso no confessionário...

– Padre me perdoe por que eu pequei!

– Em nome do pai, do filho e do espírito santo – O padre fez o sinal da cruz – Comece filha, tire de seu coração todas as angústias.

– Rejeitei todos os amores que me ofereceram nessa vida padre, para agora me entregar a um homem por medo!

– Seja mais clara, quer dizer que Atílio te fez alguma ameaça para que aceitasse se casar com ele?

O padre estava surpreso com aquela possibilidade.

– Meu pai não foi preso por uma dívida de jogo e sim, por que Atílio orquestrou tudo para o mandar para a cadeia.

– Deus! Quem disse isso a você?

– Meus pais quiseram esconder tudo de mim, mas se esqueceram que eu tenho uma audição excelente. E isso não é tudo ¬– Guadalupe chorou desconsolada – No dia em que ele deu o jantar para nós crismandas em sua casa, o ouvi dizer que queria se deitar comigo e que faria tudo para conseguir isso.

– Mas você mudou o rumo das intenções dele, por que vão se casar e você terá direitos como esposa dele!

– Casamentos acabam padre, é isso que ele quer desde o início de tudo...vai me usar por um tempo e descartar como se eu nunca tivesse existido.

– Não posso acreditar que ele seja capaz disso, e quanto a todos os presentes que te dá e o jeito tão amável de te olhar para você? – O padre queria convencer a ela e a si mesmo de que não estava contribuindo para que uma injustiça fosse concretizada, em forma de casamento.

– Eu só quero que o senhor me diga, diga que não estou me vendendo! Para que eu mesma me convença disso e deixe de sofrer.

– Eu jamais pensei isso filha, não está se vendendo!

– Mas é o que eu sinto por estar indo viver com ele em troca da paz e do sossego dos meus pais, que tanto fizeram por mim nessa vida. Dentro do meu coração há uma angústia enorme.

– Me recusarei a celebrar esta união! – O padre força a voz.

– Não, por favor. Ele ficaria contra o senhor e procuraria outro sacerdote, desde pequena o senhor é quem fez minha primeira comunhão e quero que me case também.

– Me diga uma coisa, sei que jamais mentiria e ainda mais aqui em ato de confissão. Você sente alguma coisa por ele? Por menor que seja...

– Medo e as vezes piedade por ele ser assim tão frio.

– Você terá até amanhã para reconsiderar essa decisão, ainda que pense que essa união durará pouco tempo, é da sua vida que estamos falando.

– Vai me dar absolvição, mesmo depois dessa escolha? – Ela perguntou com olhos marejados.

– Claro que sim, eu te absolvo em nome do pai, do filho e do espírito santo...amém.

– Não vai me dar uma penitência? – Guadalupe questionou.

– Não, está liberada.

O que o padre poderia dizer depois daquela declaração tão dolorosa? Ainda seria capaz de punir de alguma maneira alguém que já sofria tanto?

Eles voltaram para a sacristia de braço dado.

– Agora é a sua vez Atílio! – O padre o olhou tentando engolir a decepção que estava sentindo por ele.

– Se o senhor insiste.

Os dois entraram no recinto.

– Pode começar filho...

Atílio sorriu nervoso, não sabia como agir, por que jamais havia se confessado na vida.

– Me perdoe padre acho que não consigo dizer mais nada. – Negou com a cabeça.

– Comece falando do que se arrepende, todos nós fazemos coisas erradas e que gostaríamos de consertar.

Aquela frase do padre havia me tocado no fundo do coração, não consigo entender o porquê, mas as palavras apenas começaram a sair de dentro de mim uma atrás da outra.

– De ter sido um covarde, por ter mandado um homem justo para a prisão e por ter sido tão miserável em me calar quando algo dentro de mim grita!

– Então seja claro e deixe sair tudo.

– Mandei Leonel para cadeia por que ele se recusou me entregar Lupe, mas meu coração doeu e no dia seguinte eu o tirei de lá. Claro, me aproveitando do silêncio dele para ficar bem com ela e Ester...eu amo Guadalupe padre, tanto que chega a doer dentro de mim e me fere no orgulho sentir o que sinto por ela! – Pela primeira vez a verdade o fez chorar.

– Por que não diz a ela tudo o que está me dizendo agora?

– Por que ela não me ama, tenho orgulho e tudo isso me parece um castigo. Depois de ter tido tantas mulheres nessa vida a única que eu amo não me quer nem pintado de ouro. Ela não pode ver as coisas belas que dou a ela, nem enxergar os meus encantos masculinos!

– Lupe é uma jovem especial e não digo só por sua deficiência, não enxerga como as moças com as quais você estava acostumado a ganhar pelo luxo. Se quer conquistar o seu amor terá que esquecer o dinheiro, poder e o principal: o seu descomunal ego.

– Eu não consigo, por mais que eu tente! – Atílio se enfureceu.

– Pelo menos teve a coragem de se abrir agora comigo, se não mudar o seu jeito egoísta você será infeliz e ela também.

O padre respirou fundo, Atílio secou as lágrimas que teimaram em sair.

– Eu deveria lhe dar uma punição por tudo o que fez e até por mentir para mim, mas sinto que seu arrependimento ainda que tardio é verdadeiro. Quanto ao que sente por ela pense e decida se vale a pena esconder um sentimento tão belo...não é feio amar Atílio, é a coisa mais linda deste mundo e deveria ter orgulho do que sente.

Atílio abaixou a cabeça, eram muitas informações e sentimentos conflitando por dentro.

– Posso ficar aqui mais uns minutos? – Atílio queria dar tempo de se recompor, ainda que a futura esposa não possa ver o quanto aquela conversa o abalou as estruturas.

O padre sinalizou positivamente, ao menos sabia que iria casar Guadalupe com um homem apaixonado. Ainda que negasse a si mesmo, cedo ou tarde o amor dele falaria mais alto que o orgulho.

– Claro que pode.

Eu não queria sair com os olhos vermelhos, esperei uns dois minutos com o padre e só depois, saímos.

– Então padre, amanhã cedo mandarei que venham buscar o senhor. A cerimônia será às 8:00 como havíamos programado.

– Estarei pronto e vocês dois, não se esqueçam de tudo o que falamos hoje em segredo de confissão. – O padre olhou para ambos.

Os dois concordaram, era inevitável que um quisesse saber sobre o que o outro havia revelado ao padre. Aquilo alimentava a esperança em ambos de que houvesse algum sentimento, medos inseguranças e dores.

– Chegamos. – Atílio estava se acostumando a descrever para a futura esposa as coisas que ela por si só não se daria conta.

– Obrigada por nos levar Atílio, significou muito para mim poder fazer a confissão antes de dizermos sim.

– Amanhã, Sebastião virá para te buscar...você fez questão de chegar montada em Raio de sol e é claro que não vou me opor a sua vontade. – Ele abriu a porta do carro para que as duas saíssem.

– Sim, ele sempre foi o que me deu um pouco de independência nesta vida e quero estar com ele neste momento também.

– Com licença dona Ester, posso beijar o rosto de minha noiva?

– Claro, vou deixar os dois a sós. Um minuto apenas! – Ester sorriu para ele e entrou em casa.

Atílio se aproximou e lhe beijou o rosto, foi um carinho demorado e que fez os corações de ambos vibrarem.

– É a última vez que te toco sem sermos marido e mulher.

– Tem razão.

– Eu...eu...prometo que vou cuidar de você, Amélia será como uma mãe assim como é para mim desde pequeno. – Atílio segurou a mão dela que estava fria, sempre ficava nervosa quando estavam a sós.

– Desculpem interromper, mas é que precisamos entrar agora. Lupe ainda vai fazer algumas provas do vestido. – Ester a chamou da porta de casa.

– Até amanhã princesa!

– Até amanhã Atílio.

– Vamos para dentro.

As duas foram até o quarto, o vestido de Lupe havia sido feito pela mãe. Apesar de Atílio querer que ela usasse um modelo feito em um ateliê na cidade, Guadalupe não abriu mão de que fosse confeccionado pelas mãos da pessoa que mais a amava neste mundo...depois é claro, de Atílio. Amélia comprou um belo tecido e Ester o fez com muito esmero.

A noiva fez a última prova enquanto a mãe se emocionava ao vê-la deslumbrante.

– Você está maravilhosa...apesar de ter emagrecido um pouco, amanhã será a noiva mais linda que essa cidade já viu.

Gabriel estava mais inconformado do que antes, se mantinha calado a espreita pensando no que fazer para impedir que sua amada se casasse com aquele homem terrível. Ele sabia todos os passos daquela cerimônia e exatamente o que fazer para impedir aquele casamento.

– Não posso permitir que seus pais te entreguem a esse homem, você não o ama – Respirou pausadamente – Eu sinto que não!

Atílio chegou em casa, parecia um tanto calado demais para seu estado de espírito natural.

– Como foi na igreja? – Amélia se aproximou dele e perguntou repousando uma mão me seu ombro.

– Aquele sermão de sempre. Comprou as flores para amanhã? – Ele desconversou.

– Sim, como eu queria frescas irão trazer ao amanhecer. Sem falta!

– Mal posso acreditar que consegui!

– E o tal Gabriel? – Amélia o fez voltar da breve comemoração interna que fazia.

– Não o vejo desde aquele dia em que teve a audácia de me desafiar, vou pedir que os peões cerquem toda a casa amanhã e se ele der as caras, leva uma bala na testa.

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