O Sheikh e Eu(Completo) romance Capítulo 44

Antes de sairmos, combinamos que não íamos continuar aquilo na frente dos outros. Ainda mais no olhar dos guardas de Seth. Ele não gostou nem um pouco quando o fiz prometer que cumpriria a sua promessa, mas acabou concordando e respeitando, ainda que me lançasse olhares safados durante a viagem.

Tentei não rir na maioria das vezes, mas na maioria dos casos, era engraçado. Ele foi gentil comigo até o momento que retornamos ao jato. Ali, a realidade parecia insólita, retornando como uma bomba e Seth retornou toda a sua atenção para o celular, respondendo suas mensagens e me esquecendo no canto olhando as cidades que perpassavam em nossa viagem longa.

À medida que retornamos, o véu que esconde a felicidade na qual vivi na maioria desses dias parece cair e eu começo a perceber o quão burro posso ser por acreditar nas palavras de Seth e por achar que seria fácil, só porque duas pessoas se gostam, como ele diz.

Isso, de fato, seria válido para pessoas do meu mundo. Mas não estamos falando do meu mundo. Estamos falando do mundo dele. Do mundo de Seth. Um mundo de dinheiro e reconsiderações. Negócios e mais negócios. E, nesse mundo, não é tão fácil assim o que Seth está me propondo. Afinal, não somos semelhantes em praticamente nada.

Talvez só nos nossos gostos sobre filme. Enfim.

Mas, fora isso, tudo é muita utopia! E eu sou uma idiota por acreditar nela. Primeiro, estou caindo como um patinho. Eu sei como funcionam as coisas por aqui. Sei que é o casamento que reforça esse lado. Esse discurso de Seth é, na verdade, uma maneira de me pegar, jogar fora e depois retornar à noiva dele. A noiva que espera ele e que já deve ter feito acordos entre as famílias para que isso dê certo.

Eu sou tão burra.

Seth comprou os anéis para ela. Se ele realmente estivesse disposto a vencer todas as diferenças que temos, teria me proposto um casamento. Não que isso não fosse perigoso e eu nem imaginava algo assim. Por que eu sabia o meu lugar e sabia que a verdade nua e crua era de que isso era tão impossível do que encontrar aranhas na lua! E eu só me enganava a achar, tão iludida, que a vida poderia me sorrir a esse ponto. E não sorriria. Eu sabia disso! Mais claro que qualquer coisa! Seth e eu não somos para casar. E eu estou caindo no seu discurso. O discurso que disse que não mais cairia. Aquele mesmo discurso de, pega as mulheres fora do seu país e continua com outra em sua casa.

Que idiota.

Pensar nisso só me fez enxergar ainda mais a verdade descaradamente a minha frente. A começar pelas nossas diferenças. Nunca ia dar certo. Seth e eu somos, para começar, de realidades diferentes. Tudo bem, Nadirah também é, mas a minha situação é terrível se comparada a dela. Não tenho uma família estruturada como a da jovem moça. Pelo contrário, sou pobre e não tenho medo de dizer isso. Seth é exorbitantemente rico. Nunca daria certo. Uma pessoa da minha classe não saberia se comportar na classe de Seth. Fato.

Mas esse não era o maior problema. Não ainda. Éramos de nacionalidades diferentes. E o choque cultural era terrivelmente grande. Olhe só. Omã não é um país essencialmente muçulmano, mas a família de Seth é. Imagine só, juntar pessoas da nacionalidade mais ridicularizada no mundo, por conta de suas vestimentas e de seus estereótipos um pouco generalizados demais. Mesmo assim, imagine juntar Sra. Zilena, com todo seu charme e elegância, de hijab com a minha família brasileira, onde algumas primas não tinham realmente problema em mostrar o útero com vestidos que não tampavam nem um pingo de nada. Detalhe, quando não estavam sem calcinha. Okay, estou fazendo um alarde gigantesco e posso estar exagerando muito.

Mas não, não estou exagerando quando digo que tenho algumas primas assim.

E, digamos que ocorresse um milagre do mundo e Seth decidisse casar-se comigo. Imagina o choque que seria esses dois mundos diferentes se unindo? Por que, sinceramente, a minha família é grande e sempre aparece quando envolve festas e casamentos. O que seria de mim, aliás, o que seriam deles? Ficariam mortos na festa no primeiro momento que encontrassem. Só pode.

Pensar nisso me fez rir enquanto voltava a enumerar os choques e as diferenças que não eram poucas. Ainda falando sobre nacionalidade. Imagina como ficaria para a imagem do Sheikh o fato de seu filho ter casado com uma brasileira? Não somos os melhores, para falar a verdade, no quesito todos amam o Brasil. E eu, realmente, não sabia se isso poderia atrapalhar as vendas do Sheikh. Só sabia que, se houvesse uma chance de atrapalhar, a minha condição certamente o faria.

E pense, há muitas outras coisas a mais. Não falamos a mesma língua. Ainda que nos comuniquemos muito bem em inglês, a língua materna do Seth é o árabe e a minha o português. A família do Seth é muçulmana e primeiro, eu não sou muçulmana. Talvez isso seja um ultraje ou até mesmo proibido, não estou por dentro das regras para saber. Além disso, minha família não é e acredito que nem saibam o que é o islamismo direito. Sempre que minha mãe costuma falar que estou trabalhando em Omã para um Sheikh, o pessoal sem conhecimento algum acaba perguntando-a: “É onde fica aqueles homem-bomba?” Por que, para eles, todo muçulmano é potencialmente um homem-bomba e esse é mais um estereótipo como tenho certeza de que deve haver outros mais.

Ou seja, nada. Nada de similar. Somos um desencontro. Uma condição perdida. Ademais, Deus não deve ser tão louco, acredito eu, de fazer o meu par de vida no outro lado do mundo acreditando que eu vá aprender uma língua para o conhecer, se não, adeus, bye, bye, você perde a sua chance de achar sua alma –gêmea.

Os pensamentos ficavam martelando na minha cabeça. Terrivelmente. Estava começando a sentir uma pontada de dor de cabeça quando chegamos. E isso já era quase noite. Não demorei muito na conversa com os outros empregados, morta para chegar logo no meu quarto e só respondi que “sim, estarei pronta às oito horas”, quando alguns deles vieram me dizer que no outro dia iam a feira. Estava cansada demais para pensar.

Não olhei para Seth o caminho todo e nem vi quando ele sumiu em direção ao seu quarto. Apenas dei de ombros e entrei no meu. Coloquei o meu celular para despertar no horário programado e decidi que iria me preocupar com essas coisas no outro dia. Então dormi.

*

No outro dia me arrumei rapidamente. Na verdade, quando se coloca burqa é muito mais rápido para se vestir. Qualquer coisa por baixo, não importa. Você pôs, está ótima. Ninguém sabe quem é você, ninguém está te enxergando. Sorri para mim mesma, embora não pudesse ver meu sorriso, enquanto decidia seguir com os outros empregados. O dia seria longo.

Shiloha falava por mim e eu só concordava como uma tonta. Estava um dia insuportavelmente quente e eu estava soando bicas por dentro daquelas roupas todas. Queria me abanar e ir embora o mais rápido possível por que não estava mais acostumada com o calor não. Sorri.

Estávamos olhando algumas coisas. Ainda bem que a mansão tinha durado bem, senão eu estaria encrencada, já que Sra. Zilena chegaria no outro dia, ao que eu soubesse. De qualquer forma, os empregados, cada um deles, fez uma lista do que precisavam e agora a minha parte era pesquisar bem o preço e saber exatamente o que íamos comprar. Não que fosse difícil, ainda mais com a ajuda de outros que sempre me acompanhavam. Me sentia até mais tranquila com alguém falando árabe por mim, já que o meu era terrivelmente embaraçoso.

Então ouço alguém gritando alguma coisa, mas não entendo, porque não sei ainda muito bem de árabe. Apenas volto a minha atenção para Shiloha franzindo o cenho e tentando perguntá-la o que falaram, mas Shiloha está se jogando no chão e gritando:

– Abaixa, abaixa, é um tiroteio! – E eu não penso duas vezes me jogando ao seu lado.

Então ouço os tiros e quase grito, pulando ao lado de Shiloha. Nunca avistei tiroteios na minha vida e estou tremendo. Meus olhos começam a encher de lágrima e eu começo a pensar que pronto, vim para cá para morrer. Esse foi o destino que me foi programado. Só consigo pensar em como me sinto uma idiota por não ter ligado ontem para minha mãe, minha irmã e Fernanda para falar com elas. Ao menos teria uma despedida. Por que agora faz tempos que não falo com elas e me sinto uma idiota por não ter o feito.

Os tiros continuam e eu me encolho ainda mais ao lado de Shiloha. Ela me olha por entre os buraquinhos da burca e parece cúmplice em me dizer alguma coisa, mas não sei exatamente o que é. Shadique está do seu lado e começa a se mexer. Me apavoro.

– Não se mexa, ele pode atirar. – Digo quase em um sussurro para Shadique, mas ele não me ouve e continua a se rastejar. Só sinto que meus olhos estão molhados e minhas mãos pegajosas. Estou morrendo de medo de que algum deles morra e de que eu seja descoberta como a estrangeira ali.

Ouço mais um tiro e acabo soltando um pequeno grito junto com algumas crianças e mulheres que ali estão. Um deles apareceu e está atirando para o alto agora. O rosto está tampado para que ninguém o veja. Parece uma camisa ao redor do rosto com apenas dois furos a mostrar seu olhar sanguinolento. Não consigo desviar o olhar dele e acho que estou prestes a morrer.

– Não olhe. – Diz uma Shiloha paciente e eu paro de encarar o cara voltando a minha atenção para ela. Estou morta de medo e ela parece perceber isso, já que segura a minha mão pegajosa, tentando me acalmar enquanto aperta gentilmente. Não sei como agradecer, porque só sei que estou morrendo por dentro.

– Todos os estrangeiros devem morrer! – Gritou o cara e eu consegui entender com o pouco que sabia de árabe. Engoli em seco. Não sabia o que fazer.

Meus olhos voltaram para um Shadique que estava escondido atrás de um poste. Ele estava com o celular na mão e mandava mensagem para alguém e eu só conseguia sentir pavor em pensar que alguma coisa podia acontecer.

Então o cara atirou no chão, na cabeça de um homem que estava com roupas casuais. Calça jeans, uma mochila na costa e os cabelos loiros.

Realmente, parecia estrangeiro. Gritei junto de alguns ao ver o sangue espichado junto com alguns miolos sobre o chão. Agora eu estava, realmente, chorando. Sem acreditar no que olhava. Muito sangue, muito destroço do que antes tinha sido uma cabeça. Meu Deus, o que é tudo isso???

– Onde estão os estrangeiros, hein? – Eu não conseguia parar de encará-lo, sem acreditar no que ele fazia. Ainda estava paralisada de horror.

– Você! – Ele disse e eu achei que ele tinha olhado para mim então voltei meus olhos para o chão novamente, alarmada que fosse a próxima a morrer. Shiloha falou:

– Pare de olhar! – E ela mal disse isso em inglês e o homem a pegou pela burca, puxando-a das vestimentas para que a encarassem. Eu estava boquiaberta, sem acreditar no que via. Não conseguia deixar de pensar que poderia ser um pesadelo terrível.

– Então você é estrangeira? – Ele perguntou com os olhos vidrados em Shiloha. Ela negou com a cabeça e eu senti meus lábios tremerem de pavor.

Shadique me olhou como que para pedir que eu ficasse em silêncio, mas eu já estava a muito tempo, mortificada por dentro. Ele então mostrou o celular e pude ver que ele tinha ligado para a polícia. Eu só não conseguia saber se Shiloha tinha todo esse tempo.

Então, para a minha surpresa, Shadique colocou o celular no chão e se mostrou para o homem. Arregalei meus olhos negando com a cabeça para que Shadique não fizesse isso, mas ele não me ouviu. Continuava caminhando até o cara.

– O que você quer? Também é estrangeiro? – Perguntou o homem rindo de Shadique. Engoli em seco. Estava em pânico. Por Deus, que Shadique não fizesse uma besteira ali.

– Estou em paz. É minha esposa. – Ele voltou o olhar para Shiloha que respondeu em árabe:

– Sim. – Eu não sabia se era a única coisa que ela falava em árabe, mas me senti mais aliviada ao ver que Shadique tinha conseguido a atenção do homem enquanto alguns policiais vinham devagar logo atrás, com a arma apontada.

– Ah é? – O homem parecia incrédulo olhando Shadique. – Então são um casal de estrangeiro? – E então meu grito se fez presente no momento que o homem recebeu um, dois, três tiros dos policiais e Shiloha caiu em prantos nos braços de Shadique sem acreditar no que tinha acontecido. Eu ainda tremia e não conseguia criar coragem para me levantar. Mesmo quando vi o corpo inerte do homem cair no chão, mesmo quando seus olhos terríveis se voltaram a mim e ele sorriu, já sem conseguir se levantar. Eu só conseguia pensar em como estava vulnerável ali e em como eu podia estar morta nesse segundo.

Eu ainda não percebia a gravidade que era estar ali naquele mundo que eu não conhecia, mas agora, eu só conseguia pensar naqueles olhos cravados em mim e no fato de eu ser estrangeira. De eu poder estar morta tal como o homem de mochila, se eu não estivesse tampada. Essa constatação me deixou morta por dentro, incapaz de conversar com alguém, incapaz de responder perguntas, seguindo apenas em silêncio pelo caminho até a mansão. Eu quase podia ter morrido. Eu quase...

Shiloha e Shadique estavam conversando ainda alarmados pelo que tinha acontecido e ninguém tentou me perguntar nada, não depois de eu me manter em silêncio o caminho todo, morta. Eu só conseguia engolir em seco e sentir-me horrorizada.

Quando adentramos a mansão, não quis ficar perto de mais ninguém. Corri para o meu quarto, extremamente tomada pelo medo. A tarde avançou e eu também não quis comer. Ninguém, também, veio ver como eu estava. Estavam dando o espaço que eu precisava depois da cena terrível pela qual passei, ou estivessem dando atenção a quem realmente importava, a Shadique e Shiloha que quase tinham morrido nessa. Eu só tinha sido a maldita estrangeira jogada no chão.

Quando a noite avançou, fria e terrível, senti que todos os meus músculos doíam e em como eu precisava de um pouco de ar. Ainda não estava com fome, mas vaguei sem direção pela minha nova sala de administração, ao lado da sala de trabalho de Seth, tentando afugentar as ideias que se perpetuavam.

Não tinha tido coragem de ligar para a minha mãe e contar desse caso. Na verdade, não tive coragem de falar com ninguém. Ainda estava em choque, sem falar. E também, não queria falar nada. Eu queria apenas proteção, segurança, que parece que desde Zurique eu não tinha. Talvez seja alguma coisa a ver com eu ter bebido. Joguei o karma de meu pai sob eu mesma. Só pode ser isso.

Não ouvi quando a porta se abriu de tão atordoada pelas lembranças que eu estava. Era muito para assimilar e a imagem dos miolos do cara ainda estava na minha mente mesmo depois de tudo. Só ouvi quando Seth me chamou:

– Ag?

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