Meu Senhor romance Capítulo 1

Eduarda Amorim

Eduarda

-Eduarda, está sendo chamada no escritório do abrigo. A responsável quer falar com você...

Acabei de chegar do restaurante onde trabalho a uma semana como garçonete. Depois que tive que sair do orfanato por ter completado 18 anos, fui direcionado a este abrigo e a este emprego provisório. Como tudo na minha vida era.

Desde pequeno aprendi a conviver com esta condição. Fui rejeitado no orfanato aos sete anos e, desde então, minha vida é uma confusão de lares adotivos e voltas para o orfanato.

Já fui aceito três vezes e devolvida ao orfanato, nas três vezes. Aprendi a conviver com a rejeitar, e quando eu passei da condição de criança para uma adolescente, a ficha caiu, me mostrando que era só isso que eu teria. Tudo seria temporário.

Ninguém ficava por muito tempo. Os amigos que conheceram no orfanato, os professores, os responsáveis. Todos eles iam e vinham e eu continuava lá, até completar a maior idade e não poder ficar mais no lugar, que eu considerava como a minha casa.

Agora sou chamada pela direção do abrigo. Não era algo que eu esperava...

-Fiz algo errado?

-Não querida, acho que é uma proposta de emprego. Um colégio recruta algumas garotas todos os anos.

Eu estava desconfiada, afinal passar por tudo que já passei, não poderia ser diferente. Então quando a esmola era demais, o santo desconfiava.

-Isso é corriqueiro de acontecer?

-Sim, a Madame que faz o recrutamento é tipo um filantropo que ajuda mulheres sozinhas no mundo. Todos os anos ela aparece aqui, faz uma entrevista e leva uma das garotas com ela.

-Será que não é esse lance de prostituição, que vemos todos os dias na tv e jornais?

Ela desculpa e diz...

-Não. Ela é muito bem quista no meio. Vá conversar, não custa nada...

-Você já viu alguma menina voltar para contar ?

-Algumas... Tem até uma que de vez em quando vem com ela. O que você tem a perder?

-Nada... Você tem razão.

Sorrio para ela e me encaminho para o escritório do abrigo. Bato na porta antes.

-Entre.

-Oi, a recepcionista disse que a Senhora gostaria de falar comigo.

-Entre Eduarda, quero te apresentar a Madame Lavoisier. Ela é responsável por um internato de meninas. Todos os anos ela dedica algumas bolsas desse colégio para as meninas de alguns abrigos.

Olho para a moça, que possui no máximo uns 60 anos, muito bem vestida com um conjunto de terninho feminino preto, blusa branca e sapatos scarpans altos pretos. O cabelo é liso e platinado na altura dos ombros. Unhas muito bem feitas pintadas de vermelho.

Me sinto vestida com um pano de chão, na minha calça jeans surrada e regata preta.

Ela me estende a mão e diz:

-Prazer querida! Eu gostaria de fazer uma entrevista com você, pois pode ser uma possível candidata para meu colégio. Só precisamos conversar antes, saber se você aceita nossos termos e se vai se adaptar ao nosso regime de educação. Você estaria interessado?

Eu confirmo com a cabeça ainda desconfiada.

A responsável pelo abrigo. Manda eu me sentar na frente delas. Me sento e ela me estende alguns panfletos e eu começo a ver.

São panfletos de uma escola de preparação para moças. A escola, que parece mais com um castelo antigo. Também tem retrato dos quartos, quadra de esportes, piscina, academia. O lugar parece um sonho, um clube de lazer.

-Aqui estão as disciplinas que irão estudar. Não se trata de um curso superior, muito menos rever matérias do colegial. Aqui vai aprender a ser uma dama. Vai ter aulas de etiqueta, de como se comportar em público. Aprender idiomas, como organizar uma festa e como cuidar de uma casa, cozinhar e organizar. O curso dura dois anos. Geralmente você é encaminhado para a casa que irá servir, tudo com o seu consentimento e da forma que você achar melhor. Algumas vão por um tempo, e se não se adaptam à situação, retornam para o colégio. É importante dizer, que tudo é resolvido de acordo com os seus desejos e consentimento. Eles são sempre apreciados.

-No final do curso, eu aprenderia a ser uma governanta ou empregada doméstica?

-Não querida, você aprenderia a ser uma acompanhante ou uma esposa. Preparamos moças para homens poderosos, que não tem tempo de cortejar, escolher ou se apaixonar por alguém. As entregamos prontas para eles.

Eu fico olhando para as duas, abrindo a boca e fechando.

Que merda é essa?!?!

-Você é uma cafetina?

Ela sorri e encosta na cadeira bem tranquila.

-Não querida. Eu sou dona de um internato para meninas. Não as vendo e ninguém é obrigada a participar do internato. Te dou segurança, oportunidade de estudar e se tornar uma grande mulher.

-E o que você ganha com isso, porque você deve ganhar algo com isso.

-Claro que sim, depois de dois anos de curso, você tem a opção de sair do internato, arrumar um emprego e cuidar da sua própria vida. Dessa vez mais culta e mais preparada. Você pode ser uma governanta, como você disse, se não te agradar um casamento. Mais você terá que pagar os anos em que eu investi. Como se fosse um crédito educativo, que depois você acertaria em suaves prestações. Caso queira ser uma acompanhante e no final, se casar com um de nossos associados, eu sou muito bem remunerada por eles, para preparar suas mulheres e esposas. O que estou tentando te dizer Eduarda, você está diante de uma oportunidade única. De qualquer forma vai ser muito mais produtivo você vir comigo do que ficar aqui e continuar trabalhando como uma garçonete temporária.

-Eu não posso te dar a resposta agora.

-Claro que não, eu ainda preciso fazer uma entrevista com você, para ver se encaixaria no perfil da escola. Dê uma lida nas disciplinas, qualquer dúvida me pergunte.

Eu pego o folheto das disciplinas e vejo. Aula de culinária, boas maneiras, etiquetas, idiomas (obrigatório apenas um), práticas sexuais, cultura, eventos...

-Práticas sexuais?

Ela sorri novamente, porque provavelmente todas fazem essa pergunta, não é mesmo?

- Sim querida, nossos associados têm gostos peculiares. Para alguns gostos é preciso de um treinamento, que está incluído. É importante dizer querida, que enquanto estiver conosco, você estará protegido e amparado por mim e pela minha equipe. A partir do momento em que você escolher por um de nossos associados, continue sendo protegido e amparado, desta vez por eles. Nos contratos, você sempre estará muito bem protegido pela lei e pela soma de dinheiro que receberá. Esse é o mínimo.

-Mais que tipo de relações sexuais seriam essas?

-As que você se adaptou e as que quis. Não é uma regra. Alguns gostam de ser tratados como neném, outros gostam de algo hardcore, outros gostam do românticos. Como disse, isso vai acontecer de acordo com os seus gostos. Não tem do que temer.

Não conheço muito de relações sexuais. Já saí com alguns garotos e nem sou tão virgem quanto gastaria de ser. Mas esses gostos peculiares de que ela fala, não faço a mínima ideia do que seja.

-Mais alguma pergunta?

-Sobre as disciplinas não.

-Então vamos ao avaliado.

Ela começa a me fazer perguntas sobre meu passado, minhas experiências com outros homens. Todas as perguntas são de cunho pessoal, e muitas vezes fiquei constrangida em responder, já que meu passado é bem doloroso.

-Eduarda, você é perfeita para fazer parte do nosso colégio. Você não precisa ter medo... Lá estará protegido, fará amigos, se enturmará. poder estudar e descobrir o que quer fazer da sua vida. Eu ficaria muito honrada se aceitasse. Fora que você é linda! Não durará muito aqui fora sozinha, existem muitas pessoas que se aproveitam das outras para se dar bem.

-Você poderia ser uma dessas pessoas...

-Poderia... Mas será que se eu quiser me aproveitar de você eu deixaria as coisas tão explícitas para que tomem suas próprias decisões? Eu entendo sua desconfiança querida, já passou por muitas coisas. Por isso vou deixar você pensar um pouco. Nos vemos semana que vem.

Ela se vira para a diretora do abrigo e diz:

-Obrigada querida, mais uma vez pela ajuda. Nos vemos semana que vem. Comeu!

Acena com as mãos e sai da sala.

-O que acha, senhora?

-Eu acho que ela tem razão quando diz que você tem poucas chances sozinha aí fora. E como ela disse... A escolha sempre será sua, querida. É muito bonito ser feminista num país machista, mais muitas vezes o feminismo não paga as contas...Antigamente esses colégios eram comuns e se davam outros nomes e tinham religiões no meio. Mais no final, as crianças saíram de lá, já com um casamento arranjado, sem nem ao menos escolher seu próprio noivo. Então... Não é tão estranho assim...

- E se eu não me adaptei?

-E se você se adaptou??? Você pode se surpreender...

Deus, o que faço???!

**********

-E aí querida, se decidiu?

Sou chamado novamente ao escritório da administração do abrigo, após uma semana da proposta no mínimo intrigante, que recebi.

-Sim. Eu vou aceitar porque você tem razão, aqui eu não terei nenhuma chance de sobreviver sem sequelas.

Eu não sou burra, sei que sou uma exceção. Ter chegado aos dez anos sem nunca ter sofrido nenhum abuso, sendo que a maioria não consegue. Tive sorte de encontrar pessoas boas no meu caminho, apesar da maioria não ter se afeiçoado a mim por muito tempo para permanecer em minha vida. Que acaso eu teria nesse mundo machista?

Eu via os olhares que recebia no restaurante, eu sabia, que não demoraria pra passar por situações constrangedoras. Era só descobrirem que eu era sozinha no mundo.

-Ótima decisão querida.

-Eu sempre terei a escolha?!?!

-Claro que sim. Não se assuste, é um curso que dura dois anos. Suas escolhas sempre serão respeitadas. Eu só espero de você dedicação total.

-OK!

-Então, vá para seu armário, traga apenas os objetos que estiverem estimados para você. Não precisa de mais nada. Nem essas roupas surradas. Lá você terá tudo que precisa. Partiremos em vinte minutos. Acha que pode resolver tudo neste tempo?

Mas já? E como assim não vou levar minhas roupas? Que doida!

-Mas eu preciso me demitir do emprego.

-Pode deixar Eduarda. Eu me encarrego com isso.

Diz a administradora do abrigo sorrindo para me tranquilizar.

-OK. Obrigada por tudo!

-Seja feliz querida!!! É o que desejo a você!

É o que espero!

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