Engulo em seco.
No meio, nosso juiz, meu pai, com cara de paisagem assistindo à televisão, estabelecendo a paz entre os dois.
Quando entro na sala, Hassan é o primeiro a me ver. Percebi pelo seu olhar que o homem gentil se fora, e em seu lugar está um homem com aura selvagem. Muito máscula, mas letal. O perigo emana dele.
Vitor, quando me vê, se levanta do sofá antes mesmo que Hassan e vem na minha direção.
— Bom dia, Karina. Lembra que eu te disse que viria para saber se você está bem?
Ele tenta me beijar, mas eu me esquivo dele:
— Sim, estou bem, obrigada.
Encaro Hassan, que se levanta com certa dificuldade do sofá.
— Vitor, pelo visto conheceu meu namorado, Hassan.
Vitor não responde.
Eh, achei que ele não fosse responder mesmo.
Caminho até Hassan.
— Você está bem? Como você veio para cá? — pergunto, mas ele não olha para mim. Não responde. Não se mexe. Não pisca.
Ele ainda olha Vitor como um predador, esperando para dar o bote fatal. O silêncio se prolonga, cheio de ameaças. Seus olhos então procuram os meus.
— Precisamos conversar.
Ofego.
— Vamos até a biblioteca. Papai faz companhia para Vitor.
— Aqui não — Hassan diz, entredentes.
Ah, meu Deus… Hassan não pode ir chegando assim e me arrastando como se eu fosse a cachorrinha dele!
Com certeza ele viu os beijos de Vitor. Eu relanceio meus olhos para Vitor, que nos observa com uma fúria muda. Eu encaro Hassan e digo baixo, só para ele ouvir:
— Não quero sair hoje. Ainda estou toda dolorida. Você deveria estar em casa descansando também. Eu ia te ligar e te visitar.
— Ia mesmo? — Hassan pergunta baixo, ofegante.
— Sim — digo, com firmeza, enfrentando o olhar duro de Hassan sobre mim. — E como você veio até aqui?
— Contratei um motorista.
Papai se levanta. Acho que sente o clima ruim e vê que está sobrando nessa guerra fria.
— Vitor, por que você não me acompanha até a biblioteca? Quero te mostrar a minha última aquisição de selos.
Boa, pai! Digo mentalmente.
Vitor me olha longamente e não vê outro jeito a não ser acenar um sim para Jonas e segui-lo. Quando eles somem no corredor, eu encaro Hassan.
— Por que você não me falou desse cara? — as palavras suprimidas de Hassan por fim vieram ácidas, cheias de raiva.
— Pelo fato de ele ser apenas um amigo.
Hassan ofega e olha para os lados.
— Tem algum lugar em que podemos conversar sossegados?
— Meu quarto.
Hassan assente, ainda ofegante, e eu dou meia-volta. Ele me segue até lá. Posso sentir seus olhos nas minhas costas. Afasto meu corpo para ele entrar, então fecho a porta e me viro para ele.
— Amigo? Amigo? Quando você foi falar com seus familiares ontem, eu vi o jeito que ele te beijou. Que tipo de amigo é esse, que te beija daquele jeito?
Eu ofego.
— Do tipo que se preocupa. Ele não tem o costume de me beijar assim. Foi a emoção do momento por me ver sã e salva.
Os olhos negros de Hassan ficaram como duas pedras de gelo.
— Nem seu pai te beijou assim quando te viu. Isso está além da amizade. E por isso eu quero que isso acabe, agora.
Ficamos parados por um momento, olhando um para o outro, os peitos arfantes. As palavras dele dançando na minha mente.
Vou permitir isso? Quem tem que dar um basta sou eu se eu achar que há necessidade, e não porque ele quer que isso aconteça.
Hassan então ri cínico.
— O que há, Karina, você está estranhando minha atitude? O domínio te aborrece? O que você espera? Que eu seja um cordeirinho em suas mãos? Avise seu amigo que seu namorado é árabe e por isso ele condena amizades masculinas.
Uma fúria dolorosa faz meu corpo tremer:
— Hassan, Vitor é um amigo. Não somente meu, mas da família. Meus pais gostam dele — começo a dizer, vacilante, entretanto o rosto de Hassan continua duro, seus olhos parecem balas me almejando. Essa manifestação de desagrado de Hassan desata a minha fúria. — Ele é um cavalheiro, não importa o que você pense!
Hassan aperta os maxilares:
— É um homem. Não posso acreditar que não tenha tido alguns beijos roubados — disse, duro, seu rosto parece uma pedra.
Meu Deus! Mal estamos juntos e ele já se mostra dominador. Eu penso, irritada. A atitude dele é machista. Ele precisa mudar esse jeito dele, mas não acredito que mude.
— Não vai dar certo! Sinto muito, Hassan, mas eu não pretendo terminar uma amizade de dois anos, por causa de sua prepotência e ignorância. Desculpe-me, mas terminamos aqui — falei, sentindo a dor no meu coração por terminar com ele. Luto para manter minha compostura.
Eu percebo que a cada palavra minha Hassan vai ficando mais pálido. Mas eu o encaro com desafio, irredutível.
— Não é estranho? — Hassan ri então sem vontade. — Você está mais abalada pelo término da amizade com ele do que ao terminar comigo.
Eu nego com a cabeça.
— Não, Hassan. Estou sendo realista. A cultura está muito enraizada em você, e cheguei à conclusão de que não dará certo. Procure outra moça para se relacionar, uma de sua nacionalidade.
Hassan dá um passo na minha direção, ele está ofegante:
— Eu não quero outra mulher! Eu quero você! — ele se cala por um momento e me puxa com um de seus braços. — Karina… — seus olhos negros suplicam nos meus e sua figura máscula é sedutora demais… — Não há nada que me dê mais prazer na vida do que estar com você. Não faça isso.
Eu fecho os olhos para fugir de sua imagem sedutora.
— Por favor, vá embora — o pânico me sufoca. — Por favor, eu quero que vá… Hassan… — digo, tentando contê-lo. Mas ele me puxa mais para os seus braços. Meus dedos tocam a seda da camisa dele. Hassan baixa sua cabeça e beija minha orelha de leve. Eu ofego, o coração agitado.
— Hassan… — digo, com voz fraca.
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