O Egípcio romance Capítulo 34

Meu pai vai até a porta e vira a chave. Quando ele volta, se senta ao meu lado, segura minhas mãos na dele.

— Estávamos tão preocupados — diz, emocionado. — Deus! Quando todos saíram e você não saiu, ficamos aflitos.

Eu lhe dou um leve sorriso e o abraço, deposito um beijo no rosto dele.

— Eu sei. Mas eu estava bem. Ficamos em uma sala longe dos bandidos. Hassan me guiou para lá em segurança.

— E por que ele levou um tiro?

— Porque ele me fez ir à frente e me cobriu com seu corpo, e na hora da fuga levou um tiro. Ele o tempo todo me protegeu. Ele conhecia a sala e sabia que estaríamos seguros lá.

— Entendi.

— Karina, vamos? — Audrey pergunta.

Eu encaro meu pai.

— Vou tomar um banho e dormir. Boa noite, papai.

— Boa noite, meu anjo — ele me diz e me dá um beijo na testa.

Entro no quarto e checo meu celular. A bateria está descarregada.

Droga!

Na pressa de sair, não coloquei para carregar e, como não queria levar bolsa, não me preocupei com isso.

Antes que minha mãe saia do quarto, peço:

— Você pode me emprestar seu celular? Meu celular está descarregado e pretendo acordar cedo.

— Karina, levantar cedo? Cedo para quê?

— Quero visitar Hassan.

— Filha, descansa. A hora que você acordar, você vai.

— Você percebeu que vocês nem perguntaram o que aconteceu com ele?

— Verdade. É que imaginamos que ele esteja bem. Notícias ruins chegam rápido, e sua amiga ainda não ligou.

— Credo, mãe!

— Meu anjo, descansa. Não irá mudar em nada você ir mais cedo ou mais tarde…

Eu bocejo e puxo o zíper lateral do vestido.

— Bem, vou confiar no meu relógio biológico então, ele sempre me faz levantar cedo.

Hassan

Embora eu esteja meio sonolento com a injeção que me aplicaram para baixar a febre e a dor, meu humor está azedo depois da cena que vi quando eles empurravam minha maca até a ambulância.

Quem é aquele ibn iš-šarmuuta — “F.d.P” — que beijou Karina com tanto ardor?

Isso me cheira mal, muito mal.

Se não fosse o enfermeiro ter me segurado na maca e ter me aplicado um calmante, eu teria tirado aquilo a limpo. Eu prendo o ar em meus pulmões, me sentindo sufocado de forma esmagadora. Minhas emoções estão bagunçadas e sem controle algum.

Sinto como se eu tivesse levado uma rasteira, meus sentimentos estão feridos. Eu deveria estar acostumado com as intempéries da vida. Mas a raiva e a dor que estou sentindo me fazem entender que eu nunca me acostumarei com isso.

Chego ao hospital dez minutos depois de a ambulância ter saído do hotel e sou levado para a sala de raio X. Descubro que a bala não pegou nenhum nervo ou osso importante. Quando eles estão suturando minha carne, sou informado de que minha irmã e madrasta me esperam no corredor e que eu poderei ser liberado.

Um policial surge na sala enquanto a enfermeira passa um líquido laranja na minha pele e está fazendo o curativo.

Quando ela finaliza, o policial se apresenta.

— O senhor é Hassan Hajid Addull Ala? — ele fala meu nome com dificuldade. — O dono do hotel, não é isso?

— Sim, sou eu mesmo.

— Tenho algumas perguntas para o senhor.

— Antes de me perguntar qualquer coisa, quero saber se todos os envolvidos foram presos.

— Isso é uma questão difícil de se responder.

Solto o ar, me sentindo angustiado.

— Por quê?

— Eles estavam vestidos com roupas de festa. Quando negociamos a libertação dos reféns, eles nos disseram que iriam liberá-los. E fizeram isso, todos saíram, inclusive os ladrões. Eles se misturaram no meio deles. Quando invadimos o local, não havia ninguém, as máscaras e as armas estavam no chão. Levamos todos de ônibus até a delegacia e todos ficaram em uma área para serem identificados, então pegamos a identidade de todos.

— Então vocês não prenderam nenhum?

— Prendemos com a ajuda dos convidados que acusaram alguns, pelo biótipo deles e por alguns detalhes que eles marcaram como as roupas que estavam vestindo. Mas todos estão lá na delegacia ainda, dando seu depoimento e tentando identificar os ladrões. Aos poucos estamos descobrindo quem é quem.

— Desses que você identificou, ele acusou alguém? Contou como conseguiu entrar com armas? Como conseguiram os convites?

— Não, mas estamos trabalhando para isso, e preciso dizer uma coisa para o senhor. O senhor está proibido de viajar, pois está na lista de suspeitos.

— Eu? Eu sou a vítima.

— Estamos investigando isso. Se o senhor é a vítima, alguém de confiança armou tudo e facilitaram para os ladrões. Bem, podemos agora entrar nas perguntas?

Eu fungo.

— É claro, o que eu puder ajudar… Eu não tenho nada a esconder.

O policial pega um papel timbrado com o selo da polícia e pede para eu contar como tudo aconteceu. Eu narro tudo que vi até a hora em que entramos na sala que usamos para guardar algumas coisas do hotel.

Ele anota e pergunta se antes da festa eu notei algo de diferente. Mas como notaria? Meus olhos estavam tão ligados em Karina, que não notei nada.

Ele finaliza as perguntas, e eu pergunto a ele:

— Como vocês descobriram o assalto?

— Embora o salão em que vocês fizeram o evento ficasse do outro lado dos apartamentos, um hóspede que fazia sua caminhada noturna notou algo estranho na atitude do homem que guardava a entrada do salão. Ele o achou extremamente nervoso, tanto é que quando viu seus olhos de curiosidade logo o enxotou, mas antes que ele prosseguisse ele avistou de relance um cara mascarado passando no hall do salão, e isso foi crucial para que ele entendesse que algo de muito ruim estava acontecendo. Então, logo que se viu fora das vistas do bandido, passou pela cerca viva do outro lado e se embrenhou pelas folhagens do jardim até chegar ao gramado. Seguiu por ele e subiu em uma treliça para observar o interior do salão, já que as janelas são altas e gradeadas. Foi quando ele viu tudo que estava acontecendo e imediatamente chamou a polícia.

Eu aceno com a cabeça com desgosto, forçando minha mente a acalmar a minha alma perturbada por tudo que aconteceu. Mas sei que será em vão, a cena de Robert Sheller, dono de um grande estaleiro, sendo morto ao tentar fugir ficará gravada para sempre em minha mente.

Quando o policial sai, a enfermeira entra e me ajuda a vestir o meu paletó. Ela então traz uma cadeira de rodas e me faz sentar-me nela. Estou tão esvaído de minhas forças por tudo que vivi hoje, que não questiono e me sento.

Ela sai empurrando a cadeira corredor afora. Vários rostos me encaram, mas não consigo ver nada. Estou me sentindo mole, e estou passado, arrasado. Nem noto quando Raissa corre em minha direção. Só sinto o impacto de seu abraço e a dor forte no ombro quando ela se choca contra meu corpo.

Gemo alto.

— Allah! Raissa, vá com calma — digo em árabe para ela.

— Desculpe-me — ela replica, seu rosto cheio de lágrimas. — Hassan, Allhamdulillah — “graças a Deus” — que nada mais grave aconteceu com você. Os médicos me disseram que você ficará bem. Que seu ombro está ferido, mas os nervos e ossos estão preservados.

— Allhamdulillah — repito. — Foi Allah mesmo que me livrou de coisa pior.

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