O Sheikh e Eu(Completo) romance Capítulo 19

– Ela vem do Brasil. – Ele disse respondendo à noiva. Foi uma única frase, mas seu impacto parecia enorme. Primeiro, eu não conseguia acreditar que Seth estava me tratando como se eu fosse uma mercadoria, de verdade!

– Do Brasil? – Perguntou Nadirah parecendo surpresa e completamente afetada com aquela notícia. Dessa vez, ela me olhou de cima a baixo analisando minha vestimenta, que não era minha, bem como alguma coisa por trás da roupa que indicasse o meu corpo. Ela se decepcionaria ao ver que tenho sim alguns quilinhos a mais e sou, assim, uma péssima comparação a ser feita com ela.

– Sim. – Disse Seth e parecia estar numa encruzilhada, arrumando a voz que parecia um pouco esganiçada. Karen parecia curiosa do que estava acontecendo ali, olhando para todos com seus lindos olhos gigantescos.

– O senhor precisa de algo para beber, Senhor Seth? – Perguntei tentando esconder na minha voz afetada de raiva o quão eu estava odiando as atitudes dele. Mesmo que eu não significasse nada, Zilena nunca me trataria daquela forma! Como uma mercadoria! Há muito ela vinha se mostrando uma pessoa agradável e de fácil convívio.

– Não, obrigado. Estou bem. – Ele disse sentando-se no sofá com sua sogra ao seu lado e a noiva do outro. Tentei parecer profissional. Não podia deixar que isso me afetasse. Afinal, precisava ser paciente.

– As Senhoras gostariam de alguma coisa para tomar? A mesa do chá está sendo posta do lado de fora, se as senhoritas não se importarem. Um pouco de ar fresco, como diria a senhora Zilena. – Disse em inglês e Nadirah me fulminou com os olhos.

– Esperamos até tudo estar colocado.

– Tudo bem. – Disse.

– Mas diga-me, senhorita Agnes. – Disse a mãe de Nadirah, a qual nem tinha se apresentado, por sinal. – Por que decidistes vir para um local tão longe? – Perguntou-me, curiosa. Havia alguma coisa que ela queria insinuar, mas eu não conseguia entender o que.

– Me perdoe, como a senhora como se chama mesmo? – Perguntei.

– Adilah, por favor. – Respondeu a mãe.

– Não decidi. Na verdade, a oferta chegou e, como preciso de dinheiro, decidi aceitar. – Disse como se fosse óbvio. Adilah arqueou uma sobrancelha, parecia que sua curiosidade não tinha fim.

– E o seu marido deixou que viesse trabalhar? Não tem condições para mantê-la em casa? – Perguntou-me. Eu não queria gargalhar, mas parecia a única coisa que queria sair da minha boca. Era sério que ela estava fazendo aquela pergunta a mim? Por que eu não estava acreditando. Parecia ser sério, com uma mensagem subliminar de preconceito que eu preferia não ver.

– Não tenho marido, senhora Adilah, se essa é a pergunta da senhora. – Murmurei tentando não cravar meus dentes de cima com os debaixo. Precisava manter a simpatia.

– Então seu pai permitiu que viesse? – Ela emendou perguntando e Seth pareceu tentar começar a falar, tentando cortar a senhora, mas sem sucesso. Eu não pude deixar de logo emendar minha resposta também:

– Meu pai se separou de minha mãe, senhora. E eu já tenho idade para decidir sobre a minha vida. Decidi vir, e vim. Simples assim. – Adilah não pareceu gostar do que ouviu. Contudo, não pareceu surpresa. Talvez já tivesse ouvido histórias assim outras vezes.

– Trouxe um presente para você, amorzinho. – Disse Nadirah mudando subitamente de assunto. Seth virou-se, tomado de surpresa e olhou-a arqueando uma sobrancelha, curioso. Eu também estava curiosa.

– E o que seria? – Ele perguntou. Nadirah tirou de uma bolsa que carregava consigo um lenço laranja e estendeu a Seth que por um momento ficou a contemplar o pano, esperando que Nadirah falasse o que quer que fosse falar. Contudo ela apenas pediu:

– Abra, amor. – E Seth saiu de seus devaneios abrindo o pano enrolado. Minha curiosidade floresceu e eu tentei não parecer uma fofoqueira bisbilhotando com o nariz o que não era meu, mas a frase saiu da minha boca antes mesmo que eu pudesse me controlar:

– Uma mecha de cabelo? – Nadirah me olhou me fuzilando com os olhos e eu percebi a mancada que tinha feito quando Seth tentou esconder a vontade de rir. Mas qual é! Quem dá uma mecha de cabelo para outra pessoa no século XXI? Não que fosse ruim, pelo contrário, era até romântico e me fazia lembrar de razão e sensibilidade, mas não era Seth que devia dar a ela? Ou eu estava invertendo a coisa toda?

– Como amostra do meu amor por você, querido. Guarde essa mecha como minha vida e um dia, você terá minha vida também. – Ela disse e juro que podia enxergar o veneno de cobra saindo pela sua boca, jorrando para fora como uma possessão monstruosa.

– Ah, obrigado. – Disse Seth e parecia sem graça. Contudo, Karen irrompeu o espaço do buraco tempo e anunciou para o susto de todos:

– A mesa lá fora está posta. – Todos a olharam ainda tentando compreender o que tinha sido dito até então. Depois de longos segundos, todos se levantaram acompanhando Karen.

Até então não conseguia nem mesmo imaginar no que eu tinha me metido. Logo seguimos à mesa do lado de fora. De fato, Sahir tinha feito um ótimo trabalho. A mesa estava farta com o mais bonito café da tarde que eu já tinha presenciado na minha vida. Segui os visitantes e continuei em pé observando toda aquela riqueza de comida. Faltava só um “Oba” sair da minha boca.

Havia muitos queijos, pães, doces variados. Tipos diferentes de leite – pasmem, eu só conhecia o leite integral mesmo – e vários tipos de torras diferentes de café. Havia também muitos tipos de chá e bolos quentinhos que pareciam ter acabado de sair do forno. Eu não via a hora de ver elas indo embora para eu me deliciar um pouco com a sobra daquele banquete.

– Mas diga-me, senhorita Agnes. O que seus pais são no Brasil? – Perguntou-me Adilah servindo-se do que parecia ser o chá de maça. Nadirah, por sua vez, mal sentou-se e agarrou o braço de Seth como se estivesse disposta a escrever um letreiro: “Esse homem é meu!”. Deus do céu! Ela devia ser bem insegura mesmo. Ou, talvez, bem possessiva.

– Minha mãe trabalha numa loja como vendedora. Nossa vida sempre foi um pouco apertada, senhora. – Comuniquei enquanto tentava me esquivar sobre meu pai. A verdade é que eu não gostava de falar da história da minha família e o quanto eu pudesse me esquivar disso, melhor seria para mim. Aparentemente, Adilah não percebeu, já que começou a falar:

– Meu marido é muito inteligente. Trabalha numa universidade como professor. Faz muito bem para o Sheikh unir-se com pessoas prestigiadas pelo povo. Dá mais crédito a família. Não é mesmo, Seth? – Seth, que parecia absorto nos pensamentos, olhando para a mesa posta, pareceu se tocar que falavam com ele.

– Ah, sim. Claro. – Murmurou Seth e a conversa continuou se estendendo.

Chegou um momento que decidiram que eu não era mais importante naquela conversa e passaram a conversar entre si. Seth, pela primeira vez, me pareceu muito sério e elegante. Ao mesmo tempo, educado, já que não interrompia as mulheres mesmo quando deveria. Sério, elas eram muito chatas algumas vezes, em conversas muito estranhas. Mesmo assim, ele ouvia atento e opinava cortês.

Quem era aquele homem e o que tinha feito com a criança chamada Seth?

Cada tempo mais que passava, eu percebia que pouco ou quase nada sabia sobre Seth. Ele era muito diferente em várias formas e parecia que tinha uma máscara para cada ocasião. Não pude deixar de encará-lo – mesmo sem perceber, claro – enquanto enumerava as várias facetas do mocetão a minha frente.

Havia o Seth criança. Esse era o que eu mais conhecia. O Seth insolente, que me enchia o saco, que parecia uma criança mimada prestes a dizer baboseiras. A criança que brigava com a Governanta e vivia tendo opiniões diferentes para tirá-la do sério. Quando não vinha dizendo que eu estava perdidamente apaixonada por ele. Onde já se viu? Rá. Rá.

Havia o Seth maduro que eu tivera conhecido apenas ontem. O homem que ainda guardava segredos na alma, o homem que ainda se culpava por tudo o que sua família tivera passado. O homem, que, calmamente, me ouvia e compreendia cada pequena parte dos fragmentos de minha vida que eu contava. O Seth com olhos tristonhos e que, secretamente, tinha conquistado minha amizade nesse segundo.

Ainda havia vários Seth, como o Seth respeitoso da festa, que achei que não seria, mas que parecia levar a sua religião bem a sério. Também havia o Seth de escritório, aquele que parecia escrever a poesia que ainda estava comigo, e que tinha um escritório organizado, onde, ao menos suas coisas, estavam sempre dispostas numa organização sensacional. E muitos outros Seth’s que parecia que eu estava conhecendo aos poucos. Cada vez mais descobrindo um pouco dele.

Agora havia o Seth cortês e educado. O Seth que ouvia a jovem e a respondia, mesmo que ela fizesse umas perguntas sem sentido nenhum! Afinal, Seth era homem. Não parecia nem um pouco à vontade em responder qual cor ele gostaria que fosse o casamento deles. E ela continuava insistindo...

– Eu gosto de marrom, você sabe. Mas marrom para casamento não é uma cor muito bonita. Deveras piegas. – Quem falava piegas no século XXI? De onde Nadirah tinha saído, meu Deus? – Mas em compensação também gosto de verde. Verde musgo. Você gosta de verde, querido? – Ela perguntou e Seth me olhou. Havia em seu olhar uma pequena gota de piedade, daqueles que pedem por ajuda. Ou talvez eu estivesse imaginando coisas e estivesse prestes a ajudá-lo mesmo.

– Nadirah, a senhorita gostaria de um pouco mais de chá? – Perguntei me aproximando e puxando o bule comigo para servi-la, se fosse o caso, com mais chá.

O olhar que ela me lançou de desprezo quase fez a minha mão voar na faca.

Era uma mistura de nojo e desprezo. Alguém que está falando com o noivo e, vendo-se afetada por outra, busca o ódio mortal pelo olhar. Ela olhou a xícara dela, ainda cheia, e eu percebi que tinha sido burrada minha ter oferecido chá para ela numa ocasião como aquela. Voltei meu olhar para Seth. Ele me devia uma! Certamente me devia. Por que me fazer pagar um mico desses, era coisa que só ele era capaz de fazer.

Ao menos ela parou de encher Seth. E ele, por sua vez, conseguiu fugir dela num pulo de gato. Estreitou-se para fora da cadeira e arrumou a voz enquanto dizia:

– Eu vou guardar a sua mecha e já volto, Nadirah. – Ele disse e saiu para o quarto. Engoli em seco e tentei retornar o bule para a mesa, mas meu maldito Parkinson que só aparece fora de hora, deu as graças naquele momento e eu comecei a tremer como uma vara. Entornei um pouco do chá na mesa e Nadirah revirou os olhos vendo minha maravilhosa falta de jeito.

– Você é sempre assim, tão chata e irritante, tonta, ou só quando está na frente da futura esposa do Sheikh? – Perguntou Nadirah como se estivesse falando com uma coisa inferior. Tentei controlar minha raiva momentânea, me afastando da mesa e pensando no meu nome. Acho que eu deveria continuar visitando o doutor Eduardo. Aparentemente, repetir meu nome inúmeras vezes, não estava adiantando para me manter calma. Agnes. Agnes. Agnes.

– Nadirah, não se estresse com isso, minha filha. É brasileira, esqueceu? – Disse Adilah. Por que, claro, brasileira era ralé né? Era nada, só pode. Do jeito que falavam do meu país, parecia que eu tinha vindo da prisão. Vindo da criminalidade.

– Ah, é verdade, mãe. Obrigada. Esqueci disso. Brasileiros. – Nadirah revirou os olhos. – A primeira coisa que eu vou fazer quando me tornar esposa de Seth, senhorita Agnes, é te expulsar daqui. Não aceito qualquer imigrante. – Disse Nadirah com uma risadinha cínica. Parecia um abutre a atacar um corpo moribundo. Respirei fundo. Não podia atacá-la. Isso seria errado.

– Além de tonta, é muda. – Disse Adilah e tanto ela quanto a filha passaram a rir. Doutor Eduardo ia me desculpar, mas ficar recebendo patadas não foi algo para o qual eu nasci! Podia perder meu emprego, mas não ia perder minha dignidade!

– Sabe o que é? É que não compreendo a língua dos burros. Pessoas preconceituosas como a senhora e sua filha são tão inferiores que a minha sintonia não consegue alcançar a de vocês. Além do mais, não se preocupe, senhorita Nadirah. Eu prefiro estar no fim do mundo a ter que trabalhar para uma mulher tão preconceituosa como você. – Disse sem segurar minha língua.

Dito e feito. As mulheres arquearam os lábios num perfeito “o”. Pareciam ainda afetadas, tentando formular uma resposta para contrastar com a minha, quando Seth chegou. E para meu completo alarde, Nadirah começou a chorar como uma tonta e a apontar o dedo para mim:

– Como você deixa sua empregada falar assim comigo, Seth?? Como? – Ela perguntou e Seth, com os olhos esbugalhados, voltou o olhar na minha direção ainda sem compreender o que tinha acontecido até então. E eu não continuaria ali para contar para ele o que tinha acontecido. Ele que continuasse acreditando no que elas estavam falando como se eu fosse a culpada de tudo.

– Permissão para sair, Senhor Seth? – Seth ainda parecia tão tonto do que imaginei que estaria. Pobrezinho. Estava no meio da faixa de gaza e estava recebendo bombardeio dos dois lados. Não o culpo. Eu estaria tão louquinha quanto ele, no seu lugar.

– Hã? O que? Sim? – Ele disse ainda confuso e Nadirah passou a grunhir quando viu que ele não estava falando coisa com coisa. A incoerência parecia ser parte das frases dele.

Não esperei por resposta melhor. Assenti, fazendo uma vênia logo em seguida, e segui em direção às escadas. Seth que me desculpasse, mas eu não ficaria mais na frente de duas preconceituosas como elas. Sorri. Não quando eu não podia arrancar os cabelos delas entre meus dedos.

Doutor Eduardo estaria orgulhoso de mim. Não explodi como sempre faço, ficando vermelha e falando coisas sem pensar. Disse o que de fato queria dizer e não me arrependia do que tinha dito. Estava tendo progresso. Ou, pelo menos, era no que eu queria acreditar.

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