O Sheikh e Eu(Completo) romance Capítulo 8

Acordei no outro dia somente porque meu celular estava tocando estridentemente alto, de uma maneira tão ruim, com uma música tão chata – eu só podia me odiar para fazer isso comigo mesma – que a única coisa que consegui fazer foi atender sonolenta:

– Ai meu Deus, aí não está de madrugada, não é mesmo querida? – Perguntou minha mãe com medo de ter me acordado de madrugada do outro lado do país. Ri enquanto tentava me levantar, me espreguiçando e ouvindo os ossos estalarem. Estava, provavelmente, com a cara amassada. Meus olhos ardiam diante dos raios solares que batiam em minha retina, me cegando por alguns segundos.

Onde eu estava? Ainda me sentia um pouco grogue, tentando me lembrar de alguma coisa muito importante, ou, pelo menos, que horas eram.

– Acho que não mãe. – Disse enquanto balançava a cabeça. Meus cachos deviam estar uma bagunça por todo o lado da minha cabeça e certamente eu não estava com a coluna nas melhores condições com aquela dor mínima no pescoço em virtude de ter dormido de qualquer jeito em meio a todas aquelas pilhas. Onde eu estava afinal?

Meu cérebro estava funcionando lentamente naquela manhã. Talvez porque eu não tinha dormido numa cama, como deveria ter feito. Não me lembrava nem que dia que era. Por incrível que pareça.

– Aí que bom, querida. Como está tudo aí? – Ela perguntou curiosa. Havia algum misto de saudade, mas também de curiosidade na voz da minha mãe.

– Eu estou bem. Na verdade, preciso saber que horas são, porque não tenho certeza se estou atrasada para meu trabalho. – Confessei enquanto tirava o celular do ouvido olhando que horas eram e, óbvio, que dia era. Quarta-feira. Oito e quinze da manhã. Certo. Sei que estava atrasada. Demais. Preocupar-me-ia em trocar de roupa em outro momento. Por ora, precisava correr.

– E, para variar, estou atrasada. Te ligo quando estiver mais tranquilo mãe. Beijos. Te amo. – E não esperei que ela continuasse falando, desligando na cara dela e usando meu maravilhoso corpo de corredora para correr.

Consegui chegar na sala a tempo. Ainda consegui prender o meu cabelo de novo num rabo de cavalo e olhar o que havia na agenda da Sra. Zilena. Quando ela chegou, me olhando com a mesma roupa da noite anterior, ela deu uma risadinha, enquanto me perguntava:

– Você não se esqueceu que hoje depois de me apresentar meus compromissos você tem aula de árabe, não é mesmo querida? – Claro, porque eu não tinha nem esquecido de colocar o celular para despertar, tampouco de que deveria trocar de roupa. A senhora nem faz ideia de como tudo hoje está perfeito.

– Claro. – Disse com meu sorriso amarelo. Zilena balançou a cabeça enquanto saia sem me perguntar de sua agenda. Acho que ela já tinha uma mínima ideia do que ela devia fazer naquele dia. Suspirei enquanto seguia para a sala de estudos, procurando, assim, o professor de árabe.

Tinha esquecido por um momento de que Seth também estaria na aula. O olhei com relativa surpresa até porque, para mim, por que ele estudaria árabe? Já não deveria saber? O professor estava mais à frente e era um senhor de óculos e bigode, um pouco baixo, mas parecia ser bem inteligente.

– Atrasada. – Comentou Seth arrastando a fala pela frase que dizia sem ao menos me olhar. Eu sabia que estava atrasada, não precisava ser lembrada por ele desse meu infeliz problema da manhã.

– Eu sei. – Disse séria e o professor então se sentou ao meu lado.

– Eu estarei aqui qualquer coisa Seth. Continue a escrever o texto que lhe pedi. – Percebi que Seth, ao contrário de mim, estava tendo aula de gramática inglesa. Não sabia que ele tinha problema com inglês, visto que ele conversava comigo sem muitos problemas.

– Certo. – Disse Seth enquanto continuava olhando para seu papel, pensativo. Voltei o meu olhar para o professor que se apresentou em inglês:

– Chamo-me Kaal Hassan. – Disse e assenti enquanto me apresentava.

– Agnes Valença. – O homem balançou a cabeça concordando, dessa vez repetindo em árabe:

– Eu sou Agnes Valença. – Olhei o senhor e ouvi bem como ele falava. Eu lembrava de como falava que eu sou Agnes Valença do pouco que tinha aprendido de árabe no Brasil. Sentindo que embora o dia tivesse começado ruim, tudo daria certo a partir dali, repeti:

– Eu sou Agnes Valença. – O professor concordou enquanto continuava:

– Tenho 47 anos e você? – Me perguntou em inglês.

– 24. – Respondi. Novamente ele me recitou como se dizia isso em árabe. Obedeci, visto que já sabia essas coisas básicas, repetindo o que ele dizia. Mais uma vez ele concordou parecendo satisfeito com a forma como eu falava.

– Eu gosto de estudar várias línguas e ler o alcorão, e a senhorita? – Me perguntou. Agora as coisas estavam começando a complicar. Olhei Seth que continuava interessado em sua própria vida e papel.

– Eu gosto de ler e escrever, mas sou péssima em todo o resto, ao menos que eu saiba. – Kaal me ouviu com atenção enquanto parecia tentar achar as melhores palavras para o que eu tinha dito e pareceu o dizer com suas palavras o mesmo que eu tinha dito. Repeti da mesma maneira o que ele tinha dito, mas, para minha surpresa, Seth começou a rir conforme eu falava.

– Céus, seu árabe é horrível. – Seth riu com graça enquanto tentava se concentrar no que diabos ele estava fazendo. Tentei não levar pelo lado pessoal.

– Estou tentando, se você não percebeu. – Disse olhando para o professor. Seth estava começando a me deixar novamente com raiva. Agnes. Agnes. Agnes.

– Não parece muito uma tentativa. Parece uma cabra falando. – Olhei para ele com meu melhor olhar quarenta e três. Ele só podia querer me tirar do sério.

– Senhor Kaal, como eu posso dizer para o Seth que ele está faltando com respeito comigo, sendo um mimado como ele é? – O senhor Kaal pareceu ficar assustado com a maneira como eu falava com o filho do Sheikh, como se eu não tivesse me tocado, em algum momento, na loucura que eu estava fazendo ao confrontá-lo. Ele devia me achar bem louca, visto que ele pareceu passar por um processo estranho de delete na mente dele, até o momento que seus lábios, antes selados, pareceram começar a querer falar isso em árabe, mas Seth o interrompeu:

– E como eu poderia falar em inglês, para a Srta. Agnes que a voz dela está insuportável hoje, inclusive depois do atraso que acredito que uma governanta como ela não deveria ter? – Revirei os olhos. Seth era um babaca.

– Você está falando isso em inglês para mim. Não pode pedir para o senhor Kaal traduzir o que você mesmo traduziu. – Seth me encarou. – Você sempre age como uma criança? – Perguntei tentando me acalmar. Juro que podia ouvir o barulho de fumaça saindo pelo meu ouvido. Eu ia estourar. Sabia que não o podia fazer, mas estava bem perto. Falar meu nome mentalmente não estava ajudando.

– Você sempre age achando que é superior? – Ele retrucou.

– Só com filhos de Sheikh como o senhor. – O senhor Kaal pareceu assustado com o que fazíamos na frente dele, parecendo duas crianças de dez anos brigando na frente dele. Ele pareceu se dar conta que estava sobrando ali e acabou dizendo naquela balburdia sem fim:

– Vou pedir uma água para acalmar nossos nervos. – E saiu da sala.

– Eu não deveria ter te ajudado naquele dia. – Disse Seth parecendo arrependido. Não gostava da maneira como ele se referia a mim.

– Não pedi a sua ajuda naquele dia. Por que você não respeita as pessoas que lhe são mais velhas? Acho que essa era uma lição que um garoto como você deveria aprender. – Disse, já estourando. Okay, acho que já estourei faz tempo, mas acho que essa foi minha última gota d’água, visto que Seth, para minha surpresa, contornou a mesa e me segurou pelos ombros, me olhando nos olhos.

– Você é louca, mulher. Eu realmente não deveria ter te ajudado naquele dia. Acho que agora você está irremediavelmente apaixonada por mim. – Por essa eu não esperava e, por não esperar, acabei soltando uma alta gargalhada.

– Sério isso? – Perguntei enquanto não me aguentava de rir. Aquele garoto só podia ter problemas! Só porque ele era lindo – sim, eu podia admitir isso para mim mesma – não quer dizer que eu, em algum momento, estive interessada nele. Qual é! Ele acha que todas as garotas de idades similares a dele tem que estar apaixonada por ele? De onde ele tirou isso? Infantil.

– Algumas pessoas não se importam com você, Sr. Seth. Algumas pessoas só querem o maldito dinheiro que ganham para juntar para, um dia, viver. Algumas pessoas, se você quer saber, tem uma irmã esperando para um novo tratamento. Algumas pessoas, se você quer saber, não se importam com sua beleza, ou com sua conquista, ou seja lá o que você quer, estando você noivo. – Estourando, eu estava na beira do colapso. – Algumas pessoas, Sr. Seth. Não se importam com você! Aceite isso! – Acabei falando bem alto a última frase, o que pareceu pegar Seth, novamente de surpresa. Pobrezinho. Acho que ninguém nunca gritou com ele ou o olhou com ódio, como eu olhava agora.

Seth que parecia ainda assimilar tudo o que eu dizia, fez a coisa mais insensata da vida naquele momento, apertou meus ombros com tamanha força, esmagando-os, de certo, enquanto me olhava no fundo dos olhos. Por alguns segundos, eu tinha até mesmo esquecido o que tinha dito, parecendo confusa. Seth contudo, começou a falar:

– Você é mesmo uma governanta insolente. Não sei como minha mãe te aguenta. – E vendo que Kaal voltava tremendo junto de Sahir que trazia uma jarra de água e dois copos, Seth me soltou, raivosamente, o olhar brilhando, de certa maneira, e olhou para Kaal comentando: – Mude o meu horário de inglês. Não farei mais no mesmo horário que ela. Se vire. – Ele então voltou a me olhar. Seus olhos estavam raivosos, brilhando num dourado muito intenso, e, de certa maneira, desconcertante também. – Espero nunca mais te ver, Srta. – Comentou Seth e saiu em passos pesados da sala prestes a explodir a mansão inteira se fosse o caso para que ele não me olhasse mais. Eu também estava dentro da tensão, tentando respirar normalmente agora que Seth tinha ido embora e eu precisava respirar.

Sahir e Kaal não entendiam nada. Muito menos eu. Como tudo aquilo tinha se tornado uma discussão? Como eu e ele sempre acabávamos em alguma discussão? Será que só naquele momento, comigo frágil e falando asneiras que Seth poderia se comportar menos como um menino, mais como um homem? Por que ele não agia sempre assim? Por que sempre brigávamos? Eu não tinha resposta para isso.

Na verdade, não tinha resposta para nada, nem para como tudo aquilo tinha começado. As imagens estavam se apagando da minha memória e a única coisa que acabou ficando da cena toda foram os olhos dourados de Seth me olhando, intensamente, prestes a explodir e me esmagar. A única coisa que lembrava era dele, raivoso, esperando nunca mais olhar na minha face. Eu esperava a mesma coisa também. Esperava não comentar mais com ele sobre minhas fraquezas, como minha irmã e, também, esperava nunca mais explodir naquele lugar.

Contanto eu estivesse longe de Seth pelo próximo ano que vinha, eu tinha certeza que conseguiria fazer isso. Sim, eu era capaz. Era só a gente não se esbarrar por aí. Eu sabia que era capaz disso.

*

A tarde continuei com meu trabalho chato. Peguei as pilhas e, vagarosamente, carreguei uma por uma para um quarto próximo daquele do escritório, colocando tudo em seu respectivo lugar. Quando terminei de o fazer, suspirei e fui atrás do meu laptop. Precisava continuar com meu trabalho sem problemas, afinal, a semana ainda estava longe de acabar.

Quando acabei as planilhas já estava próximo da janta e meu corpo todo doía. Novamente tive que encarar Seth, mas ele não me olhou uma vez sequer. Olhou apenas para o prato e a Sra. Zilena e o Sr. Rashid estavam mais ocupados em seus próprios pratos também. Eu, por minha vez, estava cansada, morta. Contudo, a Sra. Zilena queria falar comigo. Assim que um chá fora servido para todos da mesa, ela começou a falar comigo:

– Amanhã a confraternização vai ser bem simples. À tarde. Com algumas mulheres, amigas minhas. Elas querem conhecer a senhorita. Portanto, é algo bem informal. A senhorita pode vir vestida como quiser. Contudo, sobre isso, a gente conversa melhor amanhã, tudo bem, Srta. Agnes? – Concordei balançando a cabeça. Zilena parou, então, de falar comigo.

No outro dia eu teria que organizar um adorável chá com um monte de mulheres mulçumanas e me controlar enquanto elas me olhavam como uma mercadoria a ser inspecionada para se ter certeza de que não tem nenhum defeito. Mas claro, Sra. Zilena nunca falaria de mim assim na minha frente. Era só como eu realmente me enxergava.

No fim daquele dia eu me sentia um caco. Completamente quebrada, meu corpo dolorido. Olhando no espelho, meu rosto começava a ganhar um pouco mais de cor nas bochechas, embora eu estivesse me bronzeando, de certa forma. Ainda assim, o cansaço me batia e o dia tinha sido cheio de afazeres. Eu não tivera tempo nem para mim direito.

Quando consegui sair do banheiro, um pouco mais revigorada, liguei pelo Whatsaap para minha mãe. O celular dela tocou algumas vezes e ela não atendeu. Desisti de chamar. Não sabia que horas eram no Brasil, mas certamente devia ser uma hora que a mãe não podia atender. De qualquer forma, queria tanto falar com ela, com Sofia. Queria lembrar um pouco da voz delas que aos poucos se apagavam da minha mente. E isso porque ainda não tinha nem se passado uma semana da minha estadia por ali.

Quando estava prestes a dormir, percebi que meu celular tocava incessantemente e, ao olhar o mesmo, percebi que era Matias, me mandando mensagens. Estava cansada para responde-lo, mas, mesmo assim, fiz um esforço para ver o que ele mandava.

Olá Srta. Agnes, muito cansativo o trabalho hoje?

Sorri enquanto olhava a mensagem do mocetão. Parecia tão simples.

Muito cansativo, Sr. Matias. Ou posso chama-lo de Matias?

Matias demorou para me responder, me dando tempo de colocar meu pijama de ursinho. A noite o deserto parecia cair uns bons graus de temperatura, ficando mais fresco e ventando consideravelmente.

Só se eu puder chama-la de Agnes ;)

Dei uma risada gostosa enquanto respondia Matias. Ele era hilário!

Claro! E o seu dia, muito cansativo também?

Matias então começou a me mandar áudio contando sobre o seu dia. Disse-me que uma das piscinas estava vazando e ele teve que correr atrás de remendo enquanto não podia comprar outro azulejo. Disse-me também que precisava todos os dias seguir uma rotina enfadonha de trocar a água ou até mesmo de colocar alguns produtos nas piscinas.

A conversa fluía, mesmo que eu estivesse com sono. Contei para Matias sobre as pilhas e sobre o chá que teria no outro dia, como ele estivera certo. Por fim, fiquei tentada a conta-lo sobre o acontecido com Seth, mas não sabia como ele interpretaria aquilo, embora eu imaginasse que Fadhir tivesse já contado isso para todos.

Não foi um dia fácil. Mas é verdade que o senhor Seth te destratou?

Uou. Não sabia que Matias era rápido assim no gatilho. Sorri enquanto o respondia. Não tinha sido um destrate, mas, talvez, a gente tivesse opiniões muito diferentes um sobre o outro, o que acabava sempre dando em briga entre nós dois. Matias demorou para me responder. Eu estava quase sendo embalada pelo sono.

Vou dormir. Está tarde, Agnes. Tenha um boa noite de sono. ;)

Sorri. Matias parecia saber a hora exata de se despedir.

Você também. Bjinhoos.

E ali terminava nossa conversa da noite. Eu estava exausta. Fechei meus olhos para tirar mais uma noite de sono. Olhei o celular duas vezes para conferir que tinha posto o despertador. O outro dia seria bem cansativo.

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